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2025-01-08
O Novo Regime da citação e notificação por via eletrónica das Pessoas Singulares e das Pessoas Coletivas em Processos Judiciais

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Numa era cada vez mais digital, com a tecnologia a assumir um papel central na forma como comunicamos, é imperativa a desmaterialização dos processos judiciais, guiada por imperativos de eficiência, celeridade e inovação, mais consentâneos com a modernidade tecnológica atual.

Um dos maiores desafios e constrangimentos que a tramitação processual enfrenta prende-se com as entropias legais na fase de citação. Tendo em vista a sua remoção, esse desiderato foi transposto para o “Plano de Recuperação e Resiliência – Recuperar Portugal, Construindo o Futuro” (PRR). Com efeito, é neste contexto que surge o Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de novembro (em vigor desde o passado dia 10 de novembro de 2024) que estabeleceu a citação eletrónica como regra para as pessoas coletivas e, a titulo opcional, para as pessoas singulares, cuja regulamentação das soluções tecnológicas é feita pelo Decreto-Lei n.º 91/2024, de 22 de novembro (entra em vigor no dia 15 de Janeiro de 2025).

À luz deste novo quadro legal com assento no Código de Processo Civil, procedeu-se também à harmonização das regras relativas às citações e notificações constantes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Código do Processo de Trabalho – dando sempre primazia à via eletrónica.

Em paralelo, a telecópia e o telegrama deixam de ser um meio de comunicação com os tribunais e dos tribunais, sem, no entanto, descurar a necessidade de se salvaguardar o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva daqueles que tenham dificuldades no acesso a meios tecnológicos. Para estes casos, assegura-se a manutenção em vigor da possibilidade de apresentação das peças processuais e documentos através do correio tradicional.


Vejamos então as principais linhas deste novo paradigma do regime jurídico da citação eletrónica, fundamental para um cabal exercício do direito de defesa.

 

A. CITAÇÃO DE PESSOAS COLETIVAS



I. Regime regra: Citação por via eletrónica; 

II. Registo: Deve ser efetuado um registo do endereço de correio eletrónico para ser associado à Área de Serviços Digitais dos Tribunais, através do Sistema Público de Notificações Eletrónicas. A pessoa coletiva deve criar uma morada única digital 
(que constitui o seu endereço de correio eletrónico) que lhe permitirá receber comunicações no âmbito dos processos judiciais;

  • Regime de salvaguarda: considerando que no tecido empresarial português predominam as pequenas e médias empresas, a previsão da regra da citação eletrónica veio acompanhada de um conjunto de salvaguardas para que não seja posto em causa o direito de defesa daquelas. Assim, caso a pessoa coletiva não registe um endereço de correio eletrónico para ficar associado à sua área reservada, a citação será efetuada por via postal através do envio de uma (única) carta registada com aviso de receção que, em caso de não receção, será depositada na sua caixa de correio. O custo do serviço de citação por via postal será suportado pela pessoa coletiva a citar, dando ainda lugar ao pagamento da taxa no valor de €51,00 (metade de 1UC fixada no Regulamento das Custas Processuais).

III. Aviso eletrónico: As citações, notificações e comunicações dirigidas a pessoas singulares e coletivas pelos tribunais, Ministério Público, oficiais de justiça, agentes de execução, administradores judiciais ou outros auxiliares da justiça aos seus destinatários são disponibilizadas nessa área reservada de acesso gratuito. Quando a citação é disponibilizada, é enviado um aviso para o endereço de correio eletrónico associado, registado previamente;

  1. Pessoas Coletivas Privadas: o acesso à área reservada das pessoas coletivas privadas é feito por quem tenha o atributo empresarial, enquanto representante da empresa, ou por quem tenha qualidade e poderes de procurador certificados, nos termos do Sistema de Certificação de Atributos Profissionais – “SCAP”;
  2. Pessoas Coletivas Públicas: o acesso à área reservada das pessoas coletivas públicas é feito por quem tenha atributo público certificado, nos termos suprarreferidos para as pessoas coletivas privadas.

Note-se que, se o destinatário não tiver número de identificação fiscal português ou número de identificação de pessoa coletiva português ou se essa informação não constar do processo, nem for possível à secretaria do tribunal obtê-la, considera-se impossível o envio da citação por via eletrónica, sendo a mesma feita por via postal.

IV. Data da citação e consulta:

  1. A citação considera-se efetuada na data em que for consultada eletronicamente na área reservada.
  2. Se a citação não for consultada no prazo de oito dias, é enviado um novo aviso, por via postal, para a morada da sede da empresa, para assegurar que a pessoa coletiva teve conhecimento de que a citação se encontra disponível para consulta na área reservada. Não obstante o envio de um novo aviso, no oitavo dia posterior ao do envio da citação eletrónica, presume-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, o sistema certifica a não consulta e a citação considera-se efetuada nessa data. O envio do aviso por via postal não interrompe nem suspende o prazo para a apresentação da defesa.
  3. Caso a citação venha a ser consultada nos 30 dias após considerar-se efetuada (i.e. decorridos os 8 dias referidos na alínea anterior) o prazo para a apresentação da defesa começa a contar a partir da data da consulta, considerando-se os dias entretanto decorridos como dilação do prazo.

 

B. CITAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES



I. Regime opcional: Citação por via eletrónica (alternativa à citação via postal);

II. Registo: As pessoas singulares que optem pela via eletrónica, devem previamente proceder ao registo do seu correio eletrónico, nos mesmos termos previstos para as pessoas coletivas, enunciado supra;

III. Aviso eletrónico: As pessoas singulares, à semelhança das pessoas coletivas, também recebem um aviso no endereço de correio eletrónico quando a citação é disponibilizada na sua área reservada e um aviso postal se não houver consulta eletrónica nos oito dias seguintes. Apenas as pessoas singulares podem aceder à sua área reservada, sem prejuízo da possibilidade de conferirem a mandatário judicial poderes especiais de consulta das citações e notificações que lhes sejam dirigidas.

IV. Data da citação e consulta:

  1. citação por via eletrónica considera-se feita na data da consulta eletrónica na área de acesso reservado (contrariamente ao que sucede com as pessoas coletivas, a citação não se considerará efetuada no 8.º dia posterior à disponibilização na área reservada);
  2. Em caso de frustração da citação por via eletrónica, por não consulta da mesma até ao trigésimo dia posterior ao da disponibilização da citação na área reservada, presume-se a recusa de recebimento pelo citando (salvo demonstração em contrário), o sistema certifica a não consulta, a citação considera-se devolvida e procede-se à citação por agente de execução;
  3. Se a citação for consultada em momento posterior ao previsto na alínea anterior, mas antes de se considerar efetuada a citação por agente de execução ou por outro meio de citação adotado subsequentemente, a citação considera-se efetuada na data da consulta.

O novo regime aproveita ainda para esclarecer que a ausência do citando que determina a repetição da citação por via postal para novo endereço, no caso de, aquando da tentativa de entrega da carta, este ser indicado ao distribuidor postal, não se refere a uma ausência ocasional, mas apenas a casos de mudança de domicílio ou local de trabalho.

Em suma, resulta notória a intenção do legislador de dar um passo firme em direção a um sistema processual mais célere e eficiente, para que a justiça não fique alheia às exigências da era digital. Esta mudança não só contribui para a agilização dos procedimentos judiciais, como também reforça a proximidade entre os cidadãos e a justiça, assegurando uma comunicação mais simples e segura. Para o sucesso deste novo paradigma, será crucial assegurar mecanismos de suporte, transição e capacitação, para que todos os intervenientes processuais possam dele beneficiar plenamente.